Diferenciação e Acessibilidade Curricular

A legitimação de um importante direito das Pessoas com Deficiência na Educação Superior Brasileira.

O Informe "ProGrad: Orientações para diferenciação e acessibilidade curricular a estudantes com deficiência” (link externo), publicado em nossa instituição no dia 06 de Maio de 2020, traz um significativo e histórico avanço para o Cenário Nacional, particularmente para as Instituições da Educação Superior (IES) brasileiras com direcionamentos concretos sobre os procedimentos institucionais para a diferenciação curricular, na perspectiva da acessibilidade, com respaldo na legislação brasileira.

Motivado por essa importante conquista, o Grupo de Pesquisa Identidades, Deficiências, Educação e Acessibilidade (GP-IDEA/CNPq), do Laboratório de Estudos sobre Deficiências e Educação (LEDE/UFSCar), vem a público destacar que o Parecer da Procuradoria Federal e seus respectivos despachos na UFSCar são instrumentos que poderão respaldar gestores de todo o território nacional na construção de fluxos similares em suas instituições, respeitando-se seus respectivos contextos, voltados ao desenvolvimento da diferenciação curricular, de maneira cooperativa e multidisciplinar, na perspectiva da acessibilidade.

Diante disso, o GP-IDEA, que esteve diretamente envolvido nesse processo institucional, apresenta às comunidades acadêmicas das IES brasileiras os principais respaldos preconizados pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - LBI (link externo), com a finalidade de subsidiar os processos de Diferenciação e Acessibilidade Curricular na Educação Superior, tendo como princípio a garantia de condições de equidade de oportunidades aos estudantes universitários com deficiência, sem que haja nenhuma espécie de discriminação, violência e/ou negligência, por ação ou omissão (Art. 4º).

É premissa desse processo, no âmbito da Educação Superior, que essa população possa exercer direitos e liberdades fundamentais à sua cidadania, particularmente nas esferas da educação (Cap. IV), da saúde (Cap. III), da profissionalização (Artt. 8º; 97), da habilitação (Art. 14), da auto advocacia, do empreendedorismo e do trabalho (Art. 35), tendo por objetivo o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas (Art. 14) que contribuam para a conquista de sua autonomia e participação social, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Nesse sentido e concomitantemente às orientações da Procuradoria Jurídica e à Política de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da UFSCar, importa que a comunidade acadêmica de nossa instituição (gestores; docentes; servidores técnicos-administrativos, pedagógicos e de manutenção; e discentes), à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência, vise:

  1. a organização e disponibilização de projetos pedagógicos, serviços, técnicas e recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, equipamentos e/ou materiais, para atender às características de cada estudante universitário com deficiência em formação (Art. 4º; § 1º; Art. 28; Inciso III);
  2. a avaliação multiprofissional e interdisciplinar, sob a perspectiva biopsicossocial (art. 2º; § 1º), em que possam ser adotadas, quando necessário, medidas para compensar a perda ou limitação funcional (Art. 15, Inciso III), buscando o desenvolvimento de aptidões vocacionais e profissionais (Art. 28, Inciso IX), considerando-se fatores socioambientais, psicológicos e pessoais (Art. 2º; § 1º; Inciso IX);
  3. a adoção de medidas individualizadas e coletivas (Art. 28; Inciso IX) em formatos acessíveis (Art. 30; Inciso III), nas ações didático-pedagógicas, na informação, na comunicação e nas avaliações, tendo como princípio não somente a superação de possíveis impeditivos e barreiras, mas a identificação e o reconhecimento de competências e potencialidades dos estudantes universitários com deficiência (Artt. 15; 27; 30; 36; 97);
  4. a dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo estudante com deficiência, na realização de atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade (Art. 30; Inciso V);
  5. a disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo estudante com deficiência (Artt. 3º; 24; 28; 30; 74; 79);
  6. a rede de apoio, com docentes e outros discentes, para incentivar o estudante com deficiência em seu desenvolvimento profissional e, também, reduzir impactos de atitudes discriminatórias (Artt. 3º; 14; 37);
  7. as estratégias para a promoção do empoderamento e da legitimação dos direitos dos estudantes com deficiência, de seus pares e dos servidores, com vistas à proteção e defesa de direitos em articulação com os regimentos institucionais da UFSCar;
  8. a formação inicial e continuada que considerem, em seus conteúdos curriculares, temas relacionados à pessoa com deficiência (Art. 28, Inciso XIV);
  9. a realização de pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva (Art. 28, inciso VI);

Ainda, considerando-se que “a habilitação profissional corresponde ao processo destinado a propiciar à pessoa com deficiência aquisição de conhecimentos, habilidades e aptidões para exercício de profissão ou de ocupação, permitindo nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso no campo de trabalho” (Art. 36, §2º), compreendemos a oportunidade de se reconhecer as identidades e diferenças apresentadas por estudantes universitários com deficiência em todos os cursos das IES brasileiras, vislumbrando-se a potência de as experiências quotidianas culminarem na Diferenciação e Acessibilidade Curricular, somadas a avanços pedagógicos, científicos e tecnológicos, em articulação intersetorial na implementação, inclusive, de políticas públicas, institucionais e departamentais.

Destaca-se que:

  1. As pessoas com deficiência matriculadas em qualquer curso têm total respaldo jurídico e legal para reivindicarem adequações no currículo, nas atividades acadêmicas, nas estratégias didático-pedagógicas e em suas respectivas avaliações, considerando-se suas necessidades e potencialidades (Artt. 4º; 27);
  2. A discriminação em razão da deficiência é passível de penalidade jurídica e, no âmbito da UFSCar, incorre em infração administrativa (Art. 88). O "Diploma Diferenciado" ou qualquer tipo de "Certificação Diferenciada", portanto, podem ser considerados instrumentos de discriminação negativa com base na deficiência.
  3. Sendo assim, compreende-se que as diferenciações curriculares devam ocorrer ao longo do curso, à luz do disposto em toda essa presente nota pública do GP-IDEA/UFSCar, com o envolvimento direto da pessoa com deficiência, servidores e demais discentes;
  4. Em uma perspectiva biopsicossocial, devem ser superadas as barreiras que obstruam a participação plena e efetiva desses estudantes nas atividades teóricas e práticas oferecidas pelo curso, com vistas à promoção de igualdade de condições com as demais pessoas (Art. 2º);
  5. O estudante universitário com deficiência que não conseguir realizar as atividades curriculares em detrimento da ausência da oferta, por parte do curso, de adequações necessárias, terá plenos direitos de questionamentos e reivindicações junto às diversas instâncias institucionais e legislativas, uma vez que a responsabilidade de seu sucesso acadêmico não é individual, mas coletivo, em uma perspectiva biopsicossocial, e é responsabilidade da gestão institucional prover o que for necessário para sua participação plena e formação profissional na área; 
  6. A superação da discriminação de estudantes universitários em razão de sua deficiência, perpassa a superação de barreiras atitudinais, compreendidas como atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas (Art. 3º, Inciso IV, alínea e);
  7. Os conselhos regionais e nacionais das profissões precisam estar sensíveis à necessidade de seus respectivos envolvimentos nos processos de direcionamentos curriculares, orientação acadêmica e diretrizes profissionais dos estudantes universitários, particularmente no que tange aqueles com alguma deficiência.

Dado o exposto, sigamos juntos acreditando na importância de preconizarmos, com a cooperativa participação dos estudantes universitários com deficiência, trajetórias acadêmicas dignas e cidadãs, na perspectiva da acessibilidade, de modo a se garantir a formação, a profissionalização e a diplomação desse alunato, sem que seja necessário lançar mão de instrumentos que discriminem negativamente essa população com base na deficiência, de modo a possibilitar a legitimação de sua transição para o mercado de trabalho e a concretização de seus projetos de vida.

Cordialmente,
Prof. Dr. Leonardo Santos Amâncio Cabral
(GP-IDEA/PPGEEs/DPsi/CECH/UFSCar)

 

Nota 1: São consideradas pessoas com deficiência, para efeitos dessas orientações, aquelas que se enquadram no art. 2º da Lei nº 13.146/2015 e nas categorias discriminadas no art. 4º do Decreto nº 3.298/1999, com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 5.296/2004, no § 1º do art. 1º da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Transtorno do Espectro Autista), observados os dispositivos da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

 

Nota 2: Dentre os principais dispositivos legais que permeiam a inclusão das pessoas com deficiência em todos os níveis de ensino que, particularmente, respaldam o direito de acesso, permanência e reconhecimento dessa população no Ensino Superior, elenca-se: a Constituição Federal de 1988; o Aviso Circular do Ministério da Educação nº 277/1996; a Lei nº 9.396/1996 (e sua redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013); a Portaria Ministerial nº 1.120/1999; o Decreto nº 3.956/2001; a Lei nº 10.436/2002; a Portaria nº 2.678/2002; a Portaria nº 3.284/2003 (que substituiu a Portaria nº 1.679/1999 e enumera os referenciais de acessibilidade na Educação Superior); a ABNT/NBR 9.050/2004; o Decreto Federal nº 5.296/2004; o Decreto nº 5.626/05; o Programa de Acessibilidade na Educação Superior, de 2005, e seus respectivos documentos orientadores; o Plano de Desenvolvimento da Educação de 2007; a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 07 de janeiro de 2008; o Decreto nº 6.949/2009; o Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES; o Decreto nº 7.611/2011; a Lei nº 12.711/2012 (modificada pela Lei nº 13.409/2016); a Portaria Normativa nº 18 de 11/2012-MEC; o Decreto Federal nº 12.764/2012; a Lei nº 13.416/2015, que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 

 

Nota 3: As premissas aqui apresentadas estendem-se aos programas de pós-graduação stricto e lato sensu, conforme disposto pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (link externo), uma vez que se compreende a perspectiva biopsicossocial nas diversas esferas da sociedade e, particularmente, na esfera educacional, em todos os níveis e modalidades de ensino.

 

BIBLIOGRAFIA:

CABRAL, L. S. A. Políticas de ações afirmativas, pessoas com deficiência e o reconhecimento das identidades e diferenças no ensino superior brasileiro. Archivos Analíticos de Políticas Educativas/Education Policy Analysis Archives, v. 26, p. 57-01-33, 2018. (link externo).

CABRAL, L. S. A.; SANTOS, B. C.. Instrumentos informatizados institucionais para a identificação de necessidades educacionais de estudantes universitários. Inclusão Social (Online), v. 11, p. 105-117, 2018. (link externo).

CABRAL, L. S. A.; SANTOS, V. ; MENDES, E. G.. Educação Especial na Educação Superior: podemos falar em democratização do acesso? Revista Educação e Fronteiras On-Line, v. 8, p. 111-126, 2018. (link externo).
 

CABRAL, L. S. A.. Inclusão do público-alvo da Educação Especial no Ensino Superior brasileiro: histórico, políticas e práticas. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 22, p. 371, 2017. (link externo).

 

CABRAL, L. S. A. Diferenciação e Acessibilidade Curricular. In: Webminar dos Institutos Federais da Educação Superior e Tecnológica. IFSP-São Carlos. 2020.
(slides em .PDF - 2.876Kb) (slides em .PPTx - 4.720Kb)

(assista o live realizado no dia 16 de junho de 2020 - link externo)
(assista o vídeo adicional sobre a temática em link externo, com legenda automática)